Lei nº 6.453, de 17 de outubro de 1977.
Dispõe sobre a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares e dá outras providências.
(Publicação - Diário Oficial da União - 18/10/1977)
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Capítulo I
Das Definições
Art. 1º - Para os efeitos desta Lei considera-se:
I - "operador", a pessoa jurídica
devidamente autorizada para operar instalação nuclear;
II - "combustível nuclear", o material capaz
de produzir energia, mediante processo auto-sustentado de fissão nuclear;
III - "produtos ou rejeitos radioativos", os
materiais radioativos obtidos durante o processo de produção ou de utilização
de combustíveis nucleares, ou cuja radioatividade se tenha originado da
exposição às irradiações inerentes a tal processo, salvo os radioisótopos que
tenham alcançado o estágio final de elaboração e já se possam utilizar para
fins científicos, médicos, agrícolas, comerciais ou industriais;
IV - "material nuclear", o combustível
nuclear e os produtos ou rejeitos radioativos;
V - "reator nuclear", qualquer estrutura que
contenha combustível nuclear, disposto de tal maneira que, dentro dela, possa
ocorrer processo auto-sustentado de fissão nuclear, sem necessidade de fonte
adicional de neutrons;
VI - "instalação nuclear":
a) o reator nuclear, salvo o utilizado como fonte de
energia em meio de transporte, tanto para sua propulsão como para outros fins;
b) a fábrica que utilize combustível nuclear para a
produção de materiais nucleares ou na qual se proceda a tratamento de materiais
nucleares, incluídas as instalações de reprocessamento de combustível nuclear
irradiado;
c) o local de armazenamento de materiais nucleares,
exceto aquele ocasionalmente usado durante seu transporte;
VII - "dano nuclear", o dano pessoal ou
material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades
radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras
características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação
nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados;
VIII - "acidente nuclear", o fato ou
sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear;
IX - "radiação ionizante", a emissão de
partículas alfa, beta, neutrons, ions acelerados ou raios X ou gama, capazes de
provocar a formação de ions no tecido humano.
Art. 2º - Várias instalações nucleares situadas no
mesmo local e que tenham um único operador poderão ser consideradas, pela
Comissão Nacional de Energia Nuclear, como uma só instalação nuclear.
Art. 3º - Será também considerado dano nuclear o
resultante de acidente nuclear combinado com outras causas, quando não se
puderem distinguir os danos não nucleares.
Capítulo II
Da Responsabilidade Civil por Danos Nucleares
Art. 4º - Será exclusiva do operador da instalação
nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a
responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente
nuclear:
I - ocorrido na instalação nuclear;
Il - provocado por material nuclear procedente de
instalação nuclear, quando o acidente ocorrer:
a) antes que o operador da instalação nuclear a que se
destina tenha assumido, por contrato escrito, a responsabilidade por acidentes
nucleares causados pelo material;
b) na falta de contrato, antes que o operador da outra
instalação nuclear haja assumido efetivamente o encargo do material;
III - provocado por material nuclear enviado à
instalação nuclear, quando o acidente ocorrer:
a) depois que a responsabilidade por acidente
provocado pelo material lhe houver sido transferida, por contrato escrito, pelo
operador da outra instalação nuclear;
b) na falta de contrato, depois que o operador da
instalação nuclear houver assumido efetivamente o encargo do material a ele
enviado.
Art. 5º - Quando responsáveis mais de um operador,
respondem eles solidariamente, se impossível apurar-se a parte dos danos
atribuível a cada um, observado o disposto nos artigos 9º a 13.
Art. 6º - Uma vez provado haver o dano resultado
exclusivamente de culpa da vítima, o operador será exonerado, apenas em relação
a ela, da obrigação de indenizar.
Art. 7º - O operador somente tem direito de regresso
contra quem admitiu, por contrato escrito, o exercício desse direito, ou contra
a pessoa física que, dolosamente, deu causa ao acidente.
Art. 8º - O operador não responde pela reparação do
dano resultante de acidente nuclear causado diretamente por conflito armado,
hostilidades, guerra civil, insurreição ou excepcional fato da natureza.
Art. 9º - A responsabilidade do operador pela
reparação do dano nuclear é limitada, em cada acidente, ao valor correspondente
a um milhão e quinhentas mil Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional.
Parágrafo único - O limite fixado neste artigo não
compreende os juros de mora, os honorários de advogado e as custas judiciais.
Art. 10 - Se a indenização relativa a danos causados
por determinado acidente nuclear exceder ao limite fixado no artigo anterior,
proceder-se-á ao rateio entre os credores, na proporção de seus direitos.
§ 1º - No rateio, os débitos referentes a danos
pessoais serão executados separada e preferentemente aos relativos a danos
materiais. Após seu pagamento, ratear-se-á o saldo existente entre os credores
por danos materiais.
§ 2º - Aplica-se o disposto neste artigo quando a
União, organização internacional ou qualquer entidade fornecer recursos
financeiros para ajudar a reparação dos danos nucleares e a soma desses
recursos com a importância fixada no artigo anterior for insuficiente ao
pagamento total da indenização devida.
Art. 11 - As ações em que se pleiteiem indenizações
por danos causados por determinado acidente nuclear deverão ser processadas e
julgadas pelo mesmo Juízo Federal, fixando-se a prevenção jurisdicional segundo
as disposições do Código de Processo Civil. Também competirá ao Juízo prevento
a instauração, ex-officio , do
procedimento do rateio previsto no artigo anterior.
Art. 12 - O direito de pleitear indenização com o
fundamento nesta Lei prescreve em 10 (dez) anos, contados da data do acidente
nuclear.
Parágrafo único - Se o acidente for causado por
material subtraído, perdido ou abandonado, o prazo prescricional contar-se-á do
acidente, mas não excederá a 20 (vinte) anos contados da data da subtração,
perda ou abandono.
Art. 13 - O operador da instalação nuclear é obrigado
a manter seguro ou outra garantia financeira que cubra a sua responsabilidade
pelas indenizações por danos nucleares.
§ 1º - A natureza da garantia e a fixação de seu valor
serão determinadas, em cada caso, pela Comissão Nacional de Energia Nuclear, no
ato da licença de construção ou da autorização para a operação.
§ 2º - Ocorrendo alteração na instalação, poderão ser
modificados a natureza e o valor da garantia.
§ 3º - Para a determinação da natureza e do valor da
garantia, levar-se-ão em conta o tipo, a capacidade, a finalidade, a
localização de cada instalação, bem como os demais fatores previsíveis.
§ 4º - O não cumprimento, por parte do operador, da
obrigação prevista neste artigo acarretará a cassação da autorização.
§ 5º - A Comissão Nacional de Energia Nuclear poderá
dispensar o operador, da obrigação a que se refere o caput deste artigo, em razão dos reduzidos riscos
decorrentes de determinados materiais ou instalações nucleares.
Art. 14 - A União garantira, até o limite fixado no
artigo 9º, o pagamento das indenizações por danos nucleares de responsabilidade
do operador, fornecendo os recursos complementares necessários, quando
insuficientes os provenientes do seguro ou de outra garantia.
Art. 15 - No caso de acidente provocado por material
nuclear ilicitamente possuído ou utilizado e não relacionado a qualquer operador,
os danos serão suportados pela União, até o limite fixado no artigo 9º,
ressalvado o direito de regresso contra a pessoa que lhes deu causa.
Art. 16 - Não se aplica a presente Lei às hipóteses de
dano causado por emissão de radiação ionizante quando o fato não constituir
acidente nuclear.
Art. 17 - As indenizações pelos danos causados aos que
trabalham com material nuclear ou em instalação nuclear serão reguladas pela
legislação especial sobre acidentes do trabalho.
Art. 18 - O disposto nesta Lei não se aplica às
indenizações relativas a danos nucleares sofridos:
I - pela própria instalação nuclear;
II - pelos bens que se encontrem na área da
instalação, destinados ao seu uso;
III - pelo meio de transporte no qual, ao produzir-se
o acidente nuclear, estava o material que o ocasionou.
Capítulo III
Da Responsabilidade Criminal
Art. 19 - Constituem crimes na exploração e utilização
de energia nuclear os descritos neste Capítulo, além dos tipificados na
legislação sobre segurança nacional e nas demais leis.
Art. 20 - Produzir, processar, fornecer ou usar
material nuclear sem a necessária autorização ou para fim diverso do permitido
em lei.
Pena: reclusão, de quatro a dez anos.
Art. 21 - Permitir o responsável pela instalação
nuclear sua operação sem a necessária autorização.
Pena: reclusão, de dois a seis anos.
Art. 22 - Possuir, adquirir, transferir, transportar,
guardar ou trazer consigo material nuclear, sem a necessária autorização.
Pena: reclusão, de dois a seis anos.
Art. 23 - Transmitir ilicitamente informações
sigilosas, concernentes à energia nuclear.
Pena: reclusão, de quatro a oito anos.
Art. 24 - Extrair, beneficiar ou comerciar ilegalmente
minério nuclear.
Pena: reclusão, de dois a seis anos.
Art. 25 - Exportar ou importar, sem a necessária
licença, material nuclear, minérios nucleares e seus concentrados, minérios de
interesse para a energia nuclear e minérios e concentrados que contenham
elementos nucleares.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
Art. 26 - Deixar de observar as normas de segurança ou
de proteção relativas à instalação nuclear ou ao uso, transporte, posse e
guarda de material nuclear, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o
patrimônio de outrem.
Pena: reclusão, de dois a oito anos.
Art. 27 - Impedir ou dificultar o funcionamento de
instalação nuclear ou o transporte de material nuclear.
Pena: reclusão, de quatro a dez anos.
Art. 28 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua
publicação.
Art. 29 - Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, em 17 de outubro de 1977; 156º da
Independência e 89º da República.
ERNESTO GEISEL
Armando Falcão
Shigeaki Ueki
Hugo de Andrade Abreu